mandinga

August 30, 2011

Diáspora da Jul

Filed under: NA AVENIDA — mandinga @ 5:13 am

Iê camaradinhas ! Como sabem, minha vida é sempre quase ! E.. quase não consigo o visto para Nigéria. Porque sou formada em Jornalismo, profissão que nunca exerci nos conformes, muito menos agora (vários erros de português, ou narrativos, como vcs podem conferir neste texto, por exemplo… dá-lhe mundo bugado né, Yaso ? :P)

Mas, foi no melhor jeitinho brasileiro, que veio o visto acolá. Akin, meu guia-amigo nigeriano, conhecia alguém na embaixada que acabou conversando com o pessoal do “não queremos jornalistas na Nigéria”. E mandou a real da viagem: participar do Festival de Oxum – no Rio Osun, em Osogbo. Visto nela !

Esta viagem começou a ser planejada, involuntariamente, há + ou – um ano. Acordava de sonhos em que recebia instruções de quais livros ler, em quais páginas… depois vieram vídeos, que simplesmente, carregavam sozinhos em meu computador. Assim descobri o Rio, a festa (e sim, vcs sabem o valor das festas pra mim), a floresta, o Templo. E veio o encontro mágico com Akin e a missão: levar Osun aos 4 cantos do Universo. Sua vibração de amor, cuidado, prosperidade, fertilidade, magia, beleza e bondade. Sua iluminação de ventre e coração, meu caminho: Yalodê !

A grande força feminina na raiz, África. E missão dada: é missão cumprida! E aqui estou, no estado de Osun, 2 da matina, recém banhada no Rio pra tentar contar um pouco da viagem. Vou fazer um texto mais descritivo, porque sei que têm amigas e parentes preocupados no Brasil e amanhã, em Lagos devo acessar a net. Quando voltar posso contar mais detalhes dessa terra fantástica e seus tesouros.

Primeiro dia:

Uma colega de SP escreveu que em Brasília há algo de bom que sempre a faz voltar. Pensei no coração do Brasil, no berço das águas doces que correm. Mudando, freqüentemente, mudando e se movendo, sem parar em lugar algum, fluindo…Surge e afunda, sem constância, até abastecer aos oceanos. Pra brincarmos em suas ondas, pescar seus peixes, navegar nos mares e mergulhar em seus mistérios, e …quantos inconscientes não revelamos nas profundezas do mar ?

Penso: que nosso caminho, nos sirva! Oceano Atlântico – e as vidas que nunca acessamos: te cruzo pela primeira vez ! Era justamente, pra acessar minhas profundezas que resolvi navegar. Ainda que tivesse o alto custo material e mais ainda o afetivo. Especialmente, deixar o córrego, o trampo e minha cria João Pedro (que desde sempre se empolgou com minha vinda e fez planos junto, reforçando o companheiro sagaz que é) ah ! o meu guri ! sempre fortalecendo e motivando o retorno, o pouso, o regresso.

E nem precisa contar pra vcs: mais uma vez, aquela correria até o aeroporto. Agradeço ao Carlos pela carona e a todas as mensagens de carinho e coragem de minhas manas e manos ! Valeu ! Já tava no check-in quando surge o Akin. Ri muito com Akin ! Conhecemos pouco um do outro, mas valeu demais cada brincadeira, sabedoria, leveza. As amigas Lana e Mel embarcam na mesma nau, até a África do Sul, onde vão pesquisar danças circulares sagradas (femininas). Nossa fiquei muito emocionada com o encontro. E aguardo essa colheita, em dança. Para cirandar com as nossas mulheres da cultura. Aho ! Lana e Mel, lin-deusas…

Com tempo de sobra na paulicéia aproveitei pra refazermos nossos planos de viagem na yorubalândia… Comento da minha percepção do mar. E o Akin garante: banharemos ! Comento da minha curiosidade sobre Iroko e o Baobá. Akin rir compulsivamente… Penso “meu Deus, fiz alguma pergunta do tipo, ‘vcs no Brasil moram com os macacos'”. Mas, na verdade depois de se conter Akin, lindamente, responde: “se na África tem Iroko ? Vários, por todos os lados…” MEU DEUS ! Zara Tempo… fiquei bem feliz… O aeroporto estava lotado de gente indo pra todos os lugares do mundo ! Pensei que época linda estamos vivas em pleno tempo em que tudo ficou perto, no fato de escrevermos sem nos preocupar com os erros, se perderemos a lauda. Ficou fácil nos encontrarmos, consertar os erros. E parece que bem mais difícil nos reconhecermos e reconhecer nossos erros, transmutarmos. Conheci 2 amigos do Akin: Femi e Jai. Falamos do Brasil e da Nigéria, os 3 são Nigerianos. Eles falam das possibilidades na paulicéia. São comerciantes. Sampa ganha mais um motivo pra mim: terra onde se planta. Preciso falar das roupas do AKin – toda branca, calça e camisa -paletó, ambas bordadas de prata. Lindo demais, parece um sol. E obviamente transformava o embarque… o olhar de encanto das pessoas… eu rio 🙂

O vôo pra Africa do Sul foi um luxo só…. bebemos muito vinho, rimos mais ainda, parece que quanto mais rimos,mais aumenta nosso estoque de gargalhadas. Femi embarcou conosco, e lógico que foi a deixa pra falarmos do Fela Kuti (o filho do Fela se chama Femi). Ainda, não tinha levado nenhuma prosa sobre política com Akin, pra evitar desgastes ou divergências… (deixamos nas entrelinhas o episódio do visto negado pra jornalista) Mas, Akin me surpreende. Diz que ama Fela. Que na Nigéria ele é realmente um Deus, que apenas os políticos não gostam do Fela. Ufa, que alívio ! Mais um vinho que esta prosa merece um brinde !

Assim, o sol veio raiando no céu Africano ! Eu lá nas nuvens ! Presente ! Chorei e mais ainda quando pisei no chão, fiquei gingando capoeira, uns 10 minutos ! Miriam Makeba no sistema de som do aeroporto ! Íamos passar muitas horas – umas 8 – no aeroporto de Johanesburgo. Que tem lojas fantásticas de roupas, artesanatos.. gosto de tudo, mas naquele esquema:muito caro ! Fico me divertindo… E encontro um tambor lindo, $8 ,deu pra investir. E ficamos ali fazendo um som…Fomos pra uma loja de bebidas e uau! Experimentamos muitos Scotchs e uma Sminorff de Café – deliciosa. Abrimos a mão e levamos uma garrafa pra brindar, em Lagos. Akin e Femi só falam Yorubá, vou treinando.

Falamos de Elefantes e Amarula, do Rio Nilo.Era tão mágico aquela oralidade yorubando… que começamos a criar uma outra língua, exclusiva do nosso trio e, …mais uma vez, rimos muito ! Impressionante a generosidade dos meus companheiros. E viver entre os nossos é uma benção – de patinho feio a cisne . Adoro esta metáfora, pra explicar , que quando vc está entre os seus, vc só precisa ser vc, e tudo faz sentido, lindamente ! Hora de embarcar… e começa o que chamo de desafio do parto – arte da ressurreição.

Sim, nascemos muitas vezes, em uma única vida . Nesse embarque, de Johanesburg pra Lagos, entrei em meu próprio trabalho de parto. Entre as centenas de pessoas, somente eu era branca. Sim, a Nigéria é o país mais negro do planeta. Um em cada quatro africanos é nigeriano. O país tem muitas riquezas naturais, é o sexto produtor de petróleo do mundo. Fala mais de 200 idiomas, o inglês e o Iorubá são oficiais. Sendo que o Iorubá de Lagos é diferente do falado na cidade de Oyó, por exemplo. O tempo parou ali, percebi que não seria mais a mesma. Agradeci muito a oportunidade. Saravá !

Enfim, pousamos em Lagos – reparem 20:45 minutos (desconto pra 4h de fuso horário) do dia 25.08.2011 – Nigéria ! Calor, muitos militares e somente eu de mulher na fila do desembarque gringo. Akin pega a fila dos Nigerianos, sempre de olho em mim. Mas, nos perdemos. Vou passando pelas revistas, etc. Param o Akin. Sim, tanto em Johanesburgo, como em Lagos eles usam um método de sorteio pra revistar documentos de quem desembarca. E o Akin, com a roupa encantada, imaginem que chamava pouca atenção rs…

De repente estamos numa sala mais reservada, eu , Akin , uma freira e dois sujeitos algemados. Eles falam em Yoruba. O Akin me explica o que está acontecendo: todas as pessoas que vieram do Brasil devem ter as malas revistadas. Tá rolando um esquemão Brasil – Nigéria e lá vamos nós, tod@s suspeit@s, praquela típica abordagem “dos homi”. Mas, dessa vez, eles são milicos e não falam minha língua. O Akin vai buscar a mala. Fico eu, a freira, os 2 algemados, os milicos – 1 deles no facebook (ai meu vício ! Cocei pra não pedir pro cara pra escrever pra vcs) e uma TV Gigante transmitindo as notícias da AL Jazeera.

Vejo que tô mesmo no Oriente, a freira fica rezando, foi me dando uma angústia… era o mais longe que já tinha ido da minha terra e parecia que o mais perto do meu coração… olhos foram marejando e abri o berreiro – de tanta coisa: felicidade, medo, raiva, cansaço, tristeza (quem me conhece, sabe, que meu coração anda em coma profundo, há um ano). Lembrei da smirnoff de café e os milicos disseram que não podia beber. Disparei a falar inglês, e num quis nem saber, dei uns goles na vodka e rapidinho trataram de trazer o Akin: Your husband, Mrs ! (hahaha)

Eu mandei a real: no maior estilo “nem marido, nem patrão”. Mas, a freira logo clamou a Deus e sim, estávamos em missão sagrada. Sosseguei o facho. E nessa hora chegou Femi e mais meia dúzia “de vindos” do Brasil. Entre eles um senhor impecavelmente elegante. (Sim, Marina Mara, todas e todos muitíssimo elegantes como sua sensibilidade garantiu 🙂 Já havíamos desembarcado há horas e nada das nossas malas ! Claro que passou o filme: presa na Nigéria, sem roupa e desodorante. Oh não ! Mas, a freira e eu rezamos bem. E chegaram as malas, ai foi a confusão… pra revistar a mala da freira, as muambas dos companheiros, e minha nossa os guardas piravam nos biscoitos, feijão, café, que a galera trouxe do Brasil. A cara deles pros pacotes, era coisa de filme ! Enfim, descobri que na Nigéria comida tem muito valor! E a maioria das pessoas pertence a minha classe: são comerciantes, se vira nos 30!

Finalmente nos liberam. Ai o Akin ficou falando de um scaner, eu achei que ele tava me zoando. Que nada ! Lá fomos nós escoltados pelos milicos pra tal máquina do Scanner, a freira foi liberada. Na sala, eu , Akin, Femi, Abein (uma nigeriana lindíssima – a la Naomi) fomos scanead@s. Não acharam nada, mas pediram pra Abein ficar repetindo o “exame” e saquei que o guardinha tirava uma foto dela no celular. Achei escroto. Ele disse que eu não podia ver. Fiquei puta, comentei com a Abein (que mora em Sampa há 3 anos , casada com brasileiro e tem dois filhos). Falei que achei machista. Ela desconhece a palavra machismo. Ficou puta com a “revista – virtualmente – íntima”. Mas trocou em miúdos, de mulher-pra-mulher, que podia ficar tranqüila porque os caras aqui eram legais.

Finalmente, livres mesmo ! Sai do aeroporto escoltada pelos irmãos e amigos do Akin. Muita alegria. E eles são legais mesmo. Fomos para um “hotel”. Minha primeira refeição: arroz, peixe, banana frita, tudo muito gostoso e apimentado (dizem que pimenta mata verme, q deve ter de monte dada as condições de saneamento aqui em Lagos) !

Enquanto comemos a TV está ligada e …xazam ! Filmes nigerianos: sim, medalha de bronze do mundo cinematográfico ! A terceira maior indústria de cinema do mundo.Os filmes são engraçadíssimos, a estética é tipo novela mexicana. Mas, com elementos da cultura da selva e os costumes do interior da Nigéria. Tento tocar um som, falar de música, mas a galera fica vidrada na TV ! Eta le le ! Fui dormi …


Segundo dia:

Partimos pra Osun – Osogbo. Hoje é o grande dia, o dia do Festival de Osun. O café da manhã tem o pingado fantástico daqui – o leite é tipo creme. Vou levar pro Brasil. Delícia ! Dormi profundamente, sinto que fui muito ousada desta vez. Acho que meus guias estão buscando minha atual localização no planeta hehehe Nunca dormi tanto e com tamanha profundidade. E já queria dormir mais um cadinho no carro, mas…o trânsito é uma loucura, milagre mesmo até agora foi não ter visto nenhum acidente. Impressionante, todo mundo buzina, o tempo todo, sem respeitar nenhuma regra, o tempo todo ! Quase entro em pânico, mas elevo os pensamentos e na mesma hora um outdoor me presenteia : “Like an Eagle” – a águia é meu animal de poder no xamanismo. Alumiou…

Três horas de viagem, chegamos ao novo hotel. Só que simplesmente ninguém passava pra canto algum, devido a multidão de pessoas..Pegamos uma moto e … pimba ! Festival de Osun ! O rei estava saindo da festa, quando chegamos. Quase parei a comitiva pra dizer: “querido rei, o senhor já pensou em construir ciclovias para seu povo maravilhoso “? Mas, na verdade eu quem sou parada o tempo todo. Milhares de pessoas no Festival e… novamente apenas eu era branca. Muitas pessoas querem tirar fotos, pedir dinheiro. Sim 90% da população vive abaixo da linha da pobreza.

O Akin se aborrece com o fato deu tirar foto com as pessoas, abraça-las, beija-las… Fico impressionada, penso tanta coisa sobre ser a exceção, ainda nem digeri…Mas, primeiro imagino: e se fosse o inverso, uma negra , entre milhares de brancos, provavelmente seria sondada, suspeita, inferiorizada, etc… Eu estava sendo reverenciada como uma rainha.Só que, de um jeito ou de outro, ser a exceção é dureza. As mulheres me passavam suas crianças a todo momento, e tem uma multidão de pessoas no festival, confesso que fiquei com medo de alguma esquecer a cria comigo…. Penso em voltar aqui pra adotar uma meia dúzia de crianças : )

E o que me faz ficar mais feliz é que Osun é louvada. Pessoas de toda Nigéria – cantam : Ora ie ie ,Osun ! Uma multidão cantando e dançando. Muito perfume, muita comida, muito ouro….Ela não é Oxum só na umbanda e no candomblé, ela é Osun na Nigéria tb ! Louvada em toda sua majestade, nós filhas e filhos em gratidão ! Que festa ! que emoção… abro o berreiro de novo ! Encontramos o Baba! Pai de Santo daqui, primo do Akin 🙂 Muita felicidade, ele há dias participa dos feitios, das preparações pro Festival.. Muito batuque. Cantos, oferendas, vestes…

Têm totens por todo parque… vou escrever sobre isso depois, com calma. Damos a sorte de ver a Oxum do santuário saindo da “camarinha”, bem na nossa frente! Foi muito, muito emocionante ! Bato cabeça em um assentamento e vou pra Aruanda. Vejo muito ouro e uma pirâmide dourada. Depois entro no rio. Coisa que eles acham perigoso, “porque oxum leva”. Quando saí, uma multidão me esperava. Começou a chover. Fui pro templo esperar a chuva passar, as pessoas vão saindo, o lugar vai ficando calmo e tranqüilo. Podemos sentir o doce… e aquela paz das casas de Oxum. A chuva lavando a floresta. Sou gratidão ! Sou plenitude !

Sono, sonhos,bençãos… Minha oração hoje foi de muita gratidão: compreendi um pouco mais a língua dos anjos !

Pra quem for de facebook, consegui subir umas fotos. Taqui ! 🙂

8 Comments

  1. fiquei emocionada também. Que lindo seu relato, Ju. E que embaixadora de dar orgulho e saudade aqui no Brasil filhote 🙂

    quero mais!!

    Comment by yaso — August 30, 2011 @ 5:36 am

  2. Balainha!!!

    Eita que experiências maravilhosas, hein??? Lindo! To feliz por você =)

    Beijocas,

    Quêdi as fotos???

    Comment by Sassá — August 30, 2011 @ 10:07 pm

  3. valeu Balaiaaaa ! 🙂

    Comment by mandinga — August 31, 2011 @ 4:01 am

  4. por favor, próximo capítulo antes que eu morra de curiosidade! sua narrativa está ótima! pode escrever o livro Ju!

    Comment by Taynã — August 31, 2011 @ 4:45 am

  5. Jú, desaguei lendo sua vivência, sentindo toda a encantaria que te cerca nessa viagem ao fundo de seu próprio ventre… Fico feliz e emocionada por você, mulher linda e guerreira do Amor! Vá indo e nos vindo em palavras! Grata pelo compartilhar!

    Comment by Luciana — August 31, 2011 @ 5:57 am

  6. Lindo texto, Ju, ótima viagem para você. Ai, que vontade de conhecer a Nigéria…

    Comment by Marco Túlio Gontijo e Silva — September 1, 2011 @ 2:50 am

  7. Ei, Ju
    Fiquei feliz por você. bjo com muito carinho, alci

    Comment by alcica — September 2, 2011 @ 6:10 pm

  8. Olá,
    Não nos conhecemos ainda, mas gostaria de obter informações sobre o festival de osun. è um dos meus maiores sonhos participar deste festival, gostaria de saber as informações necessárias tal como, preços, contatos e coisas básicas que preciso saber.
    Sou estudante, negro, Gaúcho, ingressando na facul de jornalismo, tenho 18 anos.
    Meu grande problema, Só falo Português e Espanhol. :/
    Seria muito grato se puderes me passar algumas informações.
    Abraços e muito axé de um filho de Xangô e Oxum.

    Comment by Chendler Siqueira — November 21, 2011 @ 6:51 am

RSS feed for comments on this post.

Sorry, the comment form is closed at this time.

Powered by R*